USUCAPIÃO FAMILIAR
A nova modalidade de Usucapião em nosso
Código Civil Brasileiro no artigo 1.240-A, inserida pela Lei nº 12.424/ 2011.
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Etimologia
A palavra “usucapião” tem origem do latim usucapio, que significa captar pelo uso,
ou seja, é o ato de receber o imóvel em razão do seu uso, podendo dizer de
maneira genérica, sem adentrar às modalidades jurídicas que trata-se do
“direito que um cidadão adquire, relativo à posse de um bem móvel ou imóvel, em
decorrência do uso deste bem por um determinado tempo”[1].
É
possível à aquisição através da usucapião da propriedade para bens imóveis, exceto
os imóveis públicos. Existe, além da possibilidade de usucapir o bem imóvel,
pode ocorrer ainda a usucapião de bens móveis que, entretanto, não será objeto
de estudo nesse trabalho, mas que fique esclarecido que por tratar-se de captar
pelo uso, isso é possível para todos os tipos de bens.
Se
faz necessário compreender o real significado da palavra, pois isso facilitará
o entendimento da matéria foco desse trabalho, portanto, manteremos sempre em
mente esse conceito.
*
Introdução
Dentro
do ordenamento jurídico brasileiro, temos a usucapião prevista primeiramente e principalmente
na Constituição da República Federativa do Brasil e, posteriormente, no Código
Civil Brasileiro.
A
usucapião, muito conhecida pelas diversas modalidades existentes, e há anos faz
parte do nosso dia-a-dia, sofreu mais uma divisão entre aquelas quatro usuais, quais
sejam, Usucapião ordinária; Usucapião extraordinária; Usucapião especial urbana
e Usucapião especial rural.
O
tema aqui abordado trata justamente dessa nova modalidade, que, em verdade, é a
mais recente forma de aquisição de propriedade urbana, que veio a ser
instituída em Junho de 2011, denominada por “Usucapião Familiar”, ou “Lei da
Usucapião Urbana resultante do abandono do lar conjugal”[2], que se dá pela ausência
de um dos cônjuges. Nesse sentido, tende à desenvolver-se à partir dos reflexos
sobre dissoluções familiares, dando-se especial atenção à questão da culpa do
responsável pela dissolução do vínculo familiar. Analisa-se também a questão da
justiça social com fincas no princípio da igualdade entre os consortes e na
função social da posse.
A
Lei nº 12.424/2011que à instituiu, criada em 16 de junho de 2011, surgiu com o
intuito de adaptar as normas jurídicas aos tempos modernos, com as situações
mais corriqueiras, de modo à caracterizar e, para alguns doutrinadores ‘punir’
determinados atos. Diante disso, esse instituto vem sofrendo muitas críticas
por diversos doutrinadores, conforme restará exposto nas próximas linhas.
*
Características
do artigo 1.240-A
Para
melhor entendimento do dispositivo que passamos agora a discutir,
vislumbraremos seu teor, de maneira expressamente prevista:
“Art. 1.240-A. Aquele
que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta,
com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta
metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que
abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
§ 1º. O direito previsto no caput não será
reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 2º. (VETADO)."
Na
realidade, essa trata-se da nova modalidade de usucapião, introduzida
expressamente no ordenamento jurídico pela Lei Federal nº 12.424/2011 que
versa, dentre outros tópicos, sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, do
Governo Federal. Evidente está que a razão pela criação do artigo é atender uma
função social, já que o regramento de tal Programa teve por objetivo o
direcionamento do Direito Social de moradia em sua vertente constitucional
(artigo 6º da Constituição Federal) e não a mera inclusão de um dispositivo no
Código Civil.
No
entanto, a norma supracitada vem sendo entendida por muitos que, apesar de
parecer uma norma de Direito Real, em verdade trata-se de questão que influi
diretamente nas sociedades conjugais brasileiras, quando em crise.
No entanto, a grande
polêmica gira em torno do da questão do abandono do lar por um dos ex-cônjuges
ou ex-companheiros. Embora o artigo 1.240-A não preveja expressamente,
entende-se que o ato de abandono do lar somente poderá justificar essa espécie
de usucapião se for voluntário e injustificado.
Passou a haver maior
relevância quanto a culpa daquele que causou o abandono do lar, pois sua
aferição é de difícil constatação, e muito interfere no destino do bem imóvel
do casal, visto que passa a ser difícil identificar o causados.
No entanto, devemos ter
entendimento para considerar que, se por um lado, essa modalidade de usucapião
é vantajosa por contemplar o cônjuge ou companheiro desamparado, extinguindo o
regime da comunhão de bens, devemos compreender que, por outro lado pode
acirrar ainda mais as disputas patrimoniais entre os ex-cônjuges ou
ex-companheiros, diante da necessidade da comprovação da responsabilidade pelo
abandono do lar.
Ademais, como fica a
situação daquele que ficou em desvantagem se o imóvel foi adquirido pelo casal
como resultado do esforço comum? O benefício do direito de usucapir reconhecido
ao cônjuge que permanecer na posse do imóvel constitui uma punição patrimonial
ao cônjuge ou companheiro que abandona a família.
E isso tem
acontecido.
Seria
válido admitir essa usucapião se o cônjuge ou companheiro abandona o lar, porém
não a família? Há também outro tópico a indagar: bastaria um período
ininterrupto de apenas dois anos para que o pretendente adquira a fração de
propriedade antes pertencente ao seu ex-cônjuge ou ex-companheiro? Tais
considerações, certamente poderão ser mais esclarecedoras na medida em que
decisões judiciais sobre o tema começarem a ser expendidas.
Há ainda que se falar
na questão da constitucionalidade que vem sendo objeto de crítica de muitos.
Entende o professor
doutor Douglas Phillip “[...] a polêmica
não se deu apenas pelas gravíssimas falhas técnicas da referida norma, até por
uma possível inconstitucionalidade ante o princípio da vedação de retrocesso,
(que, como se argumentará, é superável, já que não há retrocesso por uma
análise sistemática da norma), mas, sobretudo, pelo reflexo nas questões
familiares, no tocante ao patrimônio comum dos cônjuges e companheiros e seu
destino após a separação de fato do casal.”[3]
E ainda a Professora
Doutora Patrícia Donzele Cielo “o
entendimento de muitos juristas, o art. 1.240-A do Código Civil impõe o retorno
da discussão do elemento da culpa no fim da relação, a fim de configurar o
abandono de lar decorrente da menção legislativa "abandonou o lar"
trazido no caput da norma, quando, a jurisprudência, doutrina, e, de certa
forma, a lei, com o advento da EC 66 do divórcio, rechaçam tal discussão, que,
sobretudo atenta contra a dignidade da pessoa humana, senão, impossível de ser travada
ante a inexistência de culpados pelo desamor.”[4]
Discutida
essa nova modalidade da usucapião familiar, agora, espera-se que os casos
concretos sejam analisados pelos Juízes de Direito e Tribunais de Justiça, a
fim de que se possa formar uma convicção e jurisprudência a respeito da
matéria, especialmente no cuidado que se deve ter em não confundir o abandono
de lar do Direito de Família, que não mais existe, com o abandono de lar
previsto para a usucapião familiar, o qual deve ser visto sob a ótica da função
social da posse e não quanto à moralidade da culpa pela dissolução do vínculo
conjugal.
*
Requisitos
Essa nova forma de
usucapião por ser chamada de usucapião familiar, permitindo que um dos
ex-cônjuges ou ex-companheiros oponha contra o outro o direito de usucapir a
parte que não lhe pertence.
Atentemos agora para
os requisitos da nova espécie de usucapião:
- Imóvel com área
igual ou inferior à 250 m²;
- O imóvel deve ser de
propriedade e utilizado como moradia de duas pessoas casadas ou que vivam em
união estável;
- Imprescindível ter
ocorrido abandono de lar por um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros;
A posse deve ser
exercida pela parte inocente por pelo menos dois anos a partir do abandono do
lar;
- A parte inocente,
que vem fazendo uso do imóvel pelos dois anos não pode ser proprietária de
outro imóvel urbano ou rural;
- Não poderá, ainda,
a parte inocente ter sido beneficiada pelo mesmo instituto ainda que no âmbito
de outra relação afetiva.
Diante
disso, temos uma série de requisitos devidamente expressos pelo artigo 1.240-A
do Código Civil, no entanto, existem outras questões verdadeiramente
relevantes, que pode ser entendida à partir do entendimento de alguns
doutrinadores.
Para
melhor ilustrar, o professor doutor José Fernando Simão levanta uma série de
questões intrínsecas sobre essa modalidade de usucapir: “Ainda, o imóvel deve ser de propriedade do casal que surge com o
casamento ou com a união estável, seja ela hétero ou homossexual. O imóvel pode
pertencer ao casal em condomínio ou comunhão. Se o casal for casado pelo regime
da separação total de bens e ambos adquiriram o bem, não há comunhão, mas sim
condomínio e o bem poderá ser usucapido. Também, se o marido ou a mulher,
companheiro ou companheira, cujo regime seja o da comunhão parcial de bens
compra um imóvel após o casamento ou início da união, este bem será comum
(comunhão do aquesto) e poderá ser usucapido por um deles. Ainda, se casados
pelo regime da comunhão universal de bens, os bens anteriores e posteriores ao
casamento, adquiridos a qualquer título, são considerados comuns e portanto,
podem ser usucapidos nesta nova modalidade. Em suma: havendo comunhão ou
simples condomínio entre cônjuges e companheiros a usucapião familiar pode
ocorrer.”[5]
Essas
são questões de extrema importância e relevância, visto que diariamente casos
como os narrados aparecem e necessitam de uma solução, que caberá aos
intérpretes da Lei verificarem o cabimento e a possibilidade de reclamar os
direitos.
*
Da
aplicação pelos nossos Julgadores
Após
essa vasta explicação acerca do artigo, encerraremos apresentando alguns
julgados, para que fique esclarecido como vem sendo o entendimento dos nossos
ínclitos julgadores.
APELAÇÃO CÍVEL. REAIS
E FAMÍLIA. USUCAPIÃO ENTRE CÔNJUGES.
SEPARAÇÃO DE FATO. SENTENÇA EXTINTIVA, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. -
RECURSO DA AUTORA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL
CARACTERIZADA. ALEGADO ABANDONO DA FAMÍLIA E PATRIMÔNIO PELO MARIDO HÁ MAIS DE
20 ANOS. PRESCRIÇÃO E PRAZO PARA O USUCAPIÃO. NATUREZAS JURÍDICAS DISTINTAS.
INAPLICABILIDADE LITERAL DO ART. 168, I, DO CC/16 OU ART. 197, I, DO CC/02.
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DOS DISPOSITIVOS INVIÁVEL. FIM DA NORMA DE SUSPENSÃO
NÃO ATENDIDO. POSSE APARENTEMENTE EXERCIDA EXCLUSIVAMENTE E NÃO EM RAZÃO DA
MANCOMUNHÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. - SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO. -
A considerar a natureza jurídica distinta da prescrição e do prazo para
aquisição propriedade por usucapião, sendo equívoca a utilização da expressão
"prescrição aquisitiva" como ensinam Clóvis Beviláqua, Caio Mário da
Silva Pereira e Orlando Gomes, não há aplicar, em razão da interpretação
literal, as causas de suspensão da prescrição previstas no art. 168, I, do
CC/16 ou no art. 197, I, do CC/02. - Não obstante se reconheça a possibilidade
de aplicação extensiva dos dispositivos citados, por meio de interpretação
teleológica, ao prazo da usucapião, inviável utilizar desse expediente quando,
em tese, não há relação afetiva familiar ou harmonia entre as partes a serem
preservadas - fim precípuo da causa de suspensão da prescrição entre os
consortes. - Nessas hipóteses excepcionais, se a posse exercida por um dos
cônjuges sobre o bem não decorre da mancomunhão (como acontece, e.g., na mera
tolerância do outro enquanto não realizada a partilha ou somente em razão da
medida de separação de corpos), mas sim de forma exclusiva em virtude do
abandono pelo esposo da família e bens há mais de 20 anos, não se vê
impossibilidade jurídica do pleito de usucapião entre cônjuges. (TJSC. Apelação
Cível nº 2008.023470-8).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA.
DISCUSSÃO ACERCA DA TITULARIDADE DO BEM. PROVA REGISTRAL DO DOMÍNIO NÃO
DERRUÍDA EM JUÍZO. USUCAPIÃO ALEGADO COMO MATÉRIA DE DEFESA. POSSE PRECÁRIA, AMPARADA
EM COMODATO VERBAL. ATO DE MERA PERMISSÃO E TOLERÂNCIA QUE NÃO CARACTERIZA A
POSSE ANIMUS DOMINI. ÔNUS DA PROVA DE QUEM NEGA O CARÁTER DE DEPENDÊNCIA DA
POSSE EM CONTRADIÇÃO COM OS TESTEMUNHOS DOS AUTOS E COM A CIRCUNSTÂNCIA
APRESENTADA NO PROCESSO. RELAÇÃO FAMILIAR QUE AMPARA A TESE DEFENDIDA NA
APELAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (Apelação Cível n. 2007.003047-5, da
Capital, rel. Des. Ronei Danielli)
SEPARAÇÃO JUDICIAL.
PEDIDO INTENTADO COM BASE NA CULPA EXCLUSIVA DO CÔNJUGE MULHER. DECISÃO QUE
ACOLHE A PRETENSÃO EM FACE DA INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM,
INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DA CULPA EM RELAÇÃO A AMBOS OS LITIGANTES.
ADMISSIBILIDADE. – A despeito de o pedido inicial atribuir culpa exclusiva à ré
e de inexistir reconvenção, ainda que não comprovada tal culpabilidade, é
possível ao Julgador levar em consideração outros fatos que tornem evidente a
insustentabilidade da vida em comum e, diante disso, decretar a separação
judicial do casal. – Hipótese em que da decretação da separação judicial não
surtem conseqüências jurídicas relevantes. Embargos de divergência conhecidos,
mas rejeitados
(STJ. EREsp 466329 (2004/0166475-2). Rel.: Min. Barros Monteiro. DJ
01/12/2006).
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Conclusão
Conclui-se,
portanto, que a modalidade recentemente inserida em nosso Código Civil, artigo
nº 1.240-A, assim como maciça parte das novas inserções, causa polêmica.
A
questão de um dos cônjuges ou companheiros serem punidos com a perda total do
imóvel faz parte das decisões que beneficia uma parte e onera a outra,
portanto, sempre haverá rejeição à norma por uma das partes, isso acaba sendo
natural do ser humano.
No
entanto, temos que analisar racionalmente, e para isso, dependemos dos nossos
juízes e desembargadores, para que avaliem o caso, de maneira a entender os
reais motivos do abandono, e não aplicar essa norma de maneira prejudicial,
pois trata-se de um bem valioso.
Portanto,
assim como todas as demais normas, se faz necessário que, havendo de fato
contrariedade à uma norma, no caso, havendo o abandono do lar pelo período de
dois anos, o cônjuge que abandonou poderá sim perder o imóvel. A questão agora
não é mais a norma em si, mas que seja levado ao conhecimento da população essa
modalidade de usucapir, para que tenham ciência das possíveis consequências.
*
Bibliografia
Þ Usucapião.
Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Usucapi%C3%A3o
Þ
SIMÃO, José Fernando. “Usucapião familiar:
problema ou solução?”. Disponível em http://www.juristas.com.br/informacao/artigos/usucapiao-familiar-problema-ou-solucao/598/
Þ
AMORIM, Ricardo Henriques Pereira. “Primeiras
impressões sobre a usucapião especial urbana familiar e suas implicações no
Direito de Família”. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/19659/primeiras-impressoes-sobre-a-usucapiao-especial-urbana-familiar-e-suas-implicacoes-no-direito-de-familia
Þ
MEDINA, José Miguel Garcia. “Usucapião
familiar necessita de jurisprudência”. Disponível em http://professormedina.com/2011/09/06/usucapiao-familiar-necessita-de-jurisprudencia/
Þ
CIELO, Patrícia Donzele. “Da possível
inconstitucionalidade do artigo 1240-A do Código Civil”. Disponível em http://profpatriciadonzele.blogspot.com.br/2011/09/da-possivel-inconstitucionalidade-do.html
Þ
FEITOSA, Afonso. “Usucapião Familiar”. Vídeo
disponível no site http://www.youtube.com/watch?v=JA7b3AWQaYs
Þ FREITAS, Douglas Phillips. “Usucapião e
Direito de Família”. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/20060/usucapiao-e-direito-de-familia
[1] Conceito disponível na “Wikipédia, a enciclopédia
livre”, sito http://pt.wikipedia.org/wiki/Usucapi%C3%A3o, sem referência de
autoria.
[2] Termo utilizado pelo Dr. Afonso Feitosa, no vídeo
Usucapião familiar. Sito http://www.youtube.com/watch?v=JA7b3AWQaYs
[3]
Parágrafo retirado do artigo “Usucapião e Direito de Família”.
[4]
Parágrafo retirado do artigo “Da possível inconstitucionalidade do artigo
1240-A do Código Civil”
[5]
Trecho retirado do artigo “Usucapião familiar: problema ou solução?”.
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