"Bem aventurados os que têm fome e sede de Justiça, porque eles serão fartos". Mateus 5-6

sábado, 21 de dezembro de 2013

USUCAPIÃO FAMILIAR
A nova modalidade de Usucapião em nosso Código Civil Brasileiro no artigo 1.240-A, inserida pela Lei nº 12.424/ 2011.
*                    Etimologia
 A palavra “usucapião” tem origem do latim usucapio, que significa captar pelo uso, ou seja, é o ato de receber o imóvel em razão do seu uso, podendo dizer de maneira genérica, sem adentrar às modalidades jurídicas que trata-se do “direito que um cidadão adquire, relativo à posse de um bem móvel ou imóvel, em decorrência do uso deste bem por um determinado tempo”[1].
É possível à aquisição através da usucapião da propriedade para bens imóveis, exceto os imóveis públicos. Existe, além da possibilidade de usucapir o bem imóvel, pode ocorrer ainda a usucapião de bens móveis que, entretanto, não será objeto de estudo nesse trabalho, mas que fique esclarecido que por tratar-se de captar pelo uso, isso é possível para todos os tipos de bens.
Se faz necessário compreender o real significado da palavra, pois isso facilitará o entendimento da matéria foco desse trabalho, portanto, manteremos sempre em mente esse conceito.


*                    Introdução
Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, temos a usucapião prevista primeiramente e principalmente na Constituição da República Federativa do Brasil e, posteriormente, no Código Civil Brasileiro.
A usucapião, muito conhecida pelas diversas modalidades existentes, e há anos faz parte do nosso dia-a-dia, sofreu mais uma divisão entre aquelas quatro usuais, quais sejam, Usucapião ordinária; Usucapião extraordinária; Usucapião especial urbana e Usucapião especial rural.
O tema aqui abordado trata justamente dessa nova modalidade, que, em verdade, é a mais recente forma de aquisição de propriedade urbana, que veio a ser instituída em Junho de 2011, denominada por “Usucapião Familiar”, ou “Lei da Usucapião Urbana resultante do abandono do lar conjugal”[2], que se dá pela ausência de um dos cônjuges. Nesse sentido, tende à desenvolver-se à partir dos reflexos sobre dissoluções familiares, dando-se especial atenção à questão da culpa do responsável pela dissolução do vínculo familiar. Analisa-se também a questão da justiça social com fincas no princípio da igualdade entre os consortes e na função social da posse.
A Lei nº 12.424/2011que à instituiu, criada em 16 de junho de 2011, surgiu com o intuito de adaptar as normas jurídicas aos tempos modernos, com as situações mais corriqueiras, de modo à caracterizar e, para alguns doutrinadores ‘punir’ determinados atos. Diante disso, esse instituto vem sofrendo muitas críticas por diversos doutrinadores, conforme restará exposto nas próximas linhas.
*                    Características do artigo 1.240-A
Para melhor entendimento do dispositivo que passamos agora a discutir, vislumbraremos seu teor, de maneira expressamente prevista:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º.  O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 2º.  (VETADO)."
Na realidade, essa trata-se da nova modalidade de usucapião, introduzida expressamente no ordenamento jurídico pela Lei Federal nº 12.424/2011 que versa, dentre outros tópicos, sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal. Evidente está que a razão pela criação do artigo é atender uma função social, já que o regramento de tal Programa teve por objetivo o direcionamento do Direito Social de moradia em sua vertente constitucional (artigo 6º da Constituição Federal) e não a mera inclusão de um dispositivo no Código Civil.
No entanto, a norma supracitada vem sendo entendida por muitos que, apesar de parecer uma norma de Direito Real, em verdade trata-se de questão que influi diretamente nas sociedades conjugais brasileiras, quando em crise.
No entanto, a grande polêmica gira em torno do da questão do abandono do lar por um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros. Embora o artigo 1.240-A não preveja expressamente, entende-se que o ato de abandono do lar somente poderá justificar essa espécie de usucapião se for voluntário e injustificado.

Passou a haver maior relevância quanto a culpa daquele que causou o abandono do lar, pois sua aferição é de difícil constatação, e muito interfere no destino do bem imóvel do casal, visto que passa a ser difícil identificar o causados.

No entanto, devemos ter entendimento para considerar que, se por um lado, essa modalidade de usucapião é vantajosa por contemplar o cônjuge ou companheiro desamparado, extinguindo o regime da comunhão de bens, devemos compreender que, por outro lado pode acirrar ainda mais as disputas patrimoniais entre os ex-cônjuges ou ex-companheiros, diante da necessidade da comprovação da responsabilidade pelo abandono do lar.

Ademais, como fica a situação daquele que ficou em desvantagem se o imóvel foi adquirido pelo casal como resultado do esforço comum? O benefício do direito de usucapir reconhecido ao cônjuge que permanecer na posse do imóvel constitui uma punição patrimonial ao cônjuge ou companheiro que abandona a família.

E isso tem acontecido.

Seria válido admitir essa usucapião se o cônjuge ou companheiro abandona o lar, porém não a família? Há também outro tópico a indagar: bastaria um período ininterrupto de apenas dois anos para que o pretendente adquira a fração de propriedade antes pertencente ao seu ex-cônjuge ou ex-companheiro? Tais considerações, certamente poderão ser mais esclarecedoras na medida em que decisões judiciais sobre o tema começarem a ser expendidas.
Há ainda que se falar na questão da constitucionalidade que vem sendo objeto de crítica de muitos.

Entende o professor doutor Douglas Phillip “[...] a polêmica não se deu apenas pelas gravíssimas falhas técnicas da referida norma, até por uma possível inconstitucionalidade ante o princípio da vedação de retrocesso, (que, como se argumentará, é superável, já que não há retrocesso por uma análise sistemática da norma), mas, sobretudo, pelo reflexo nas questões familiares, no tocante ao patrimônio comum dos cônjuges e companheiros e seu destino após a separação de fato do casal.”[3]

E ainda a Professora Doutora Patrícia Donzele Cielo “o entendimento de muitos juristas, o art. 1.240-A do Código Civil impõe o retorno da discussão do elemento da culpa no fim da relação, a fim de configurar o abandono de lar decorrente da menção legislativa "abandonou o lar" trazido no caput da norma, quando, a jurisprudência, doutrina, e, de certa forma, a lei, com o advento da EC 66 do divórcio, rechaçam tal discussão, que, sobretudo atenta contra a dignidade da pessoa humana, senão, impossível de ser travada ante a inexistência de culpados pelo desamor.[4]

Discutida essa nova modalidade da usucapião familiar, agora, espera-se que os casos concretos sejam analisados pelos Juízes de Direito e Tribunais de Justiça, a fim de que se possa formar uma convicção e jurisprudência a respeito da matéria, especialmente no cuidado que se deve ter em não confundir o abandono de lar do Direito de Família, que não mais existe, com o abandono de lar previsto para a usucapião familiar, o qual deve ser visto sob a ótica da função social da posse e não quanto à moralidade da culpa pela dissolução do vínculo conjugal.




*                    Requisitos
Essa nova forma de usucapião por ser chamada de usucapião familiar, permitindo que um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros oponha contra o outro o direito de usucapir a parte que não lhe pertence.

Atentemos agora para os requisitos da nova espécie de usucapião:

- Imóvel com área igual ou inferior à 250 m²;

- O imóvel deve ser de propriedade e utilizado como moradia de duas pessoas casadas ou que vivam em união estável;

- Imprescindível ter ocorrido abandono de lar por um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros;

A posse deve ser exercida pela parte inocente por pelo menos dois anos a partir do abandono do lar;

- A parte inocente, que vem fazendo uso do imóvel pelos dois anos não pode ser proprietária de outro imóvel urbano ou rural;

- Não poderá, ainda, a parte inocente ter sido beneficiada pelo mesmo instituto ainda que no âmbito de outra relação afetiva.

Diante disso, temos uma série de requisitos devidamente expressos pelo artigo 1.240-A do Código Civil, no entanto, existem outras questões verdadeiramente relevantes, que pode ser entendida à partir do entendimento de alguns doutrinadores.
Para melhor ilustrar, o professor doutor José Fernando Simão levanta uma série de questões intrínsecas sobre essa modalidade de usucapir: “Ainda, o imóvel deve ser de propriedade do casal que surge com o casamento ou com a união estável, seja ela hétero ou homossexual. O imóvel pode pertencer ao casal em condomínio ou comunhão. Se o casal for casado pelo regime da separação total de bens e ambos adquiriram o bem, não há comunhão, mas sim condomínio e o bem poderá ser usucapido. Também, se o marido ou a mulher, companheiro ou companheira, cujo regime seja o da comunhão parcial de bens compra um imóvel após o casamento ou início da união, este bem será comum (comunhão do aquesto) e poderá ser usucapido por um deles. Ainda, se casados pelo regime da comunhão universal de bens, os bens anteriores e posteriores ao casamento, adquiridos a qualquer título, são considerados comuns e portanto, podem ser usucapidos nesta nova modalidade. Em suma: havendo comunhão ou simples condomínio entre cônjuges e companheiros a usucapião familiar pode ocorrer.”[5]
Essas são questões de extrema importância e relevância, visto que diariamente casos como os narrados aparecem e necessitam de uma solução, que caberá aos intérpretes da Lei verificarem o cabimento e a possibilidade de reclamar os direitos.
*                    Da aplicação pelos nossos Julgadores
Após essa vasta explicação acerca do artigo, encerraremos apresentando alguns julgados, para que fique esclarecido como vem sendo o entendimento dos nossos ínclitos julgadores.
APELAÇÃO CÍVEL. REAIS E FAMÍLIA. USUCAPIÃO ENTRE CÔNJUGES. SEPARAÇÃO DE FATO. SENTENÇA EXTINTIVA, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. - RECURSO DA AUTORA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL CARACTERIZADA. ALEGADO ABANDONO DA FAMÍLIA E PATRIMÔNIO PELO MARIDO HÁ MAIS DE 20 ANOS. PRESCRIÇÃO E PRAZO PARA O USUCAPIÃO. NATUREZAS JURÍDICAS DISTINTAS. INAPLICABILIDADE LITERAL DO ART. 168, I, DO CC/16 OU ART. 197, I, DO CC/02. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DOS DISPOSITIVOS INVIÁVEL. FIM DA NORMA DE SUSPENSÃO NÃO ATENDIDO. POSSE APARENTEMENTE EXERCIDA EXCLUSIVAMENTE E NÃO EM RAZÃO DA MANCOMUNHÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. - SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO. - A considerar a natureza jurídica distinta da prescrição e do prazo para aquisição propriedade por usucapião, sendo equívoca a utilização da expressão "prescrição aquisitiva" como ensinam Clóvis Beviláqua, Caio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes, não há aplicar, em razão da interpretação literal, as causas de suspensão da prescrição previstas no art. 168, I, do CC/16 ou no art. 197, I, do CC/02. - Não obstante se reconheça a possibilidade de aplicação extensiva dos dispositivos citados, por meio de interpretação teleológica, ao prazo da usucapião, inviável utilizar desse expediente quando, em tese, não há relação afetiva familiar ou harmonia entre as partes a serem preservadas - fim precípuo da causa de suspensão da prescrição entre os consortes. - Nessas hipóteses excepcionais, se a posse exercida por um dos cônjuges sobre o bem não decorre da mancomunhão (como acontece, e.g., na mera tolerância do outro enquanto não realizada a partilha ou somente em razão da medida de separação de corpos), mas sim de forma exclusiva em virtude do abandono pelo esposo da família e bens há mais de 20 anos, não se vê impossibilidade jurídica do pleito de usucapião entre cônjuges. (TJSC. Apelação Cível nº 2008.023470-8).

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. DISCUSSÃO ACERCA DA TITULARIDADE DO BEM. PROVA REGISTRAL DO DOMÍNIO NÃO DERRUÍDA EM JUÍZO. USUCAPIÃO ALEGADO COMO MATÉRIA DE DEFESA. POSSE PRECÁRIA, AMPARADA EM COMODATO VERBAL. ATO DE MERA PERMISSÃO E TOLERÂNCIA QUE NÃO CARACTERIZA A POSSE ANIMUS DOMINI. ÔNUS DA PROVA DE QUEM NEGA O CARÁTER DE DEPENDÊNCIA DA POSSE EM CONTRADIÇÃO COM OS TESTEMUNHOS DOS AUTOS E COM A CIRCUNSTÂNCIA APRESENTADA NO PROCESSO. RELAÇÃO FAMILIAR QUE AMPARA A TESE DEFENDIDA NA APELAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (Apelação Cível n. 2007.003047-5, da Capital, rel. Des. Ronei Danielli)

SEPARAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO INTENTADO COM BASE NA CULPA EXCLUSIVA DO CÔNJUGE MULHER. DECISÃO QUE ACOLHE A PRETENSÃO EM FACE DA INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM, INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DA CULPA EM RELAÇÃO A AMBOS OS LITIGANTES. ADMISSIBILIDADE. – A despeito de o pedido inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção, ainda que não comprovada tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em consideração outros fatos que tornem evidente a insustentabilidade da vida em comum e, diante disso, decretar a separação judicial do casal. – Hipótese em que da decretação da separação judicial não surtem conseqüências jurídicas relevantes. Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados (STJ. EREsp 466329 (2004/0166475-2). Rel.: Min. Barros Monteiro. DJ 01/12/2006).



*                    Conclusão
Conclui-se, portanto, que a modalidade recentemente inserida em nosso Código Civil, artigo nº 1.240-A, assim como maciça parte das novas inserções, causa polêmica.
A questão de um dos cônjuges ou companheiros serem punidos com a perda total do imóvel faz parte das decisões que beneficia uma parte e onera a outra, portanto, sempre haverá rejeição à norma por uma das partes, isso acaba sendo natural do ser humano.
No entanto, temos que analisar racionalmente, e para isso, dependemos dos nossos juízes e desembargadores, para que avaliem o caso, de maneira a entender os reais motivos do abandono, e não aplicar essa norma de maneira prejudicial, pois trata-se de um bem valioso.
Portanto, assim como todas as demais normas, se faz necessário que, havendo de fato contrariedade à uma norma, no caso, havendo o abandono do lar pelo período de dois anos, o cônjuge que abandonou poderá sim perder o imóvel. A questão agora não é mais a norma em si, mas que seja levado ao conhecimento da população essa modalidade de usucapir, para que tenham ciência das possíveis consequências.
*                    Bibliografia

Þ    Usucapião. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Usucapi%C3%A3o

Þ    SIMÃO, José Fernando. “Usucapião familiar: problema ou solução?”. Disponível em http://www.juristas.com.br/informacao/artigos/usucapiao-familiar-problema-ou-solucao/598/

Þ    AMORIM, Ricardo Henriques Pereira. “Primeiras impressões sobre a usucapião especial urbana familiar e suas implicações no Direito de Família”. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/19659/primeiras-impressoes-sobre-a-usucapiao-especial-urbana-familiar-e-suas-implicacoes-no-direito-de-familia

Þ    MEDINA, José Miguel Garcia. “Usucapião familiar necessita de jurisprudência”. Disponível em http://professormedina.com/2011/09/06/usucapiao-familiar-necessita-de-jurisprudencia/

Þ    CIELO, Patrícia Donzele. “Da possível inconstitucionalidade do artigo 1240-A do Código Civil”. Disponível em http://profpatriciadonzele.blogspot.com.br/2011/09/da-possivel-inconstitucionalidade-do.html

Þ    FEITOSA, Afonso. “Usucapião Familiar”. Vídeo disponível no site http://www.youtube.com/watch?v=JA7b3AWQaYs

Þ  FREITAS, Douglas Phillips. “Usucapião e Direito de Família”. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/20060/usucapiao-e-direito-de-familia




[1] Conceito disponível na “Wikipédia, a enciclopédia livre”, sito http://pt.wikipedia.org/wiki/Usucapi%C3%A3o, sem referência de autoria.
[2] Termo utilizado pelo Dr. Afonso Feitosa, no vídeo Usucapião familiar. Sito http://www.youtube.com/watch?v=JA7b3AWQaYs
[3] Parágrafo retirado do artigo “Usucapião e Direito de Família”.
[4] Parágrafo retirado do artigo “Da possível inconstitucionalidade do artigo 1240-A do Código Civil”
[5] Trecho retirado do artigo “Usucapião familiar: problema ou solução?”.

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